Estamira
“Além de eu ser Estamira, minha missão é revelar a verdade.”
O documentário Estamira dirigido pelo fotógrafo e diretor Marcos Prado
retrata a realidade de quem vive do lixo que produzimos através das crises de
devaneio e lucidez de sua protagonista: Estamira.
Quem é Estamira? Podemos simplesmente defini-la como a mulher de 63
anos, diagnosticada com distúrbios mentais, que há mais de 20 anos tira seu sustento
do Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, Rio de Janeiro; Contudo, essa indagação
não se mostra tão simples de ser respondida, por isso, para compreendermos
melhor as nuances dessa complexa personagem de origem humilde e sofrida temos
que voltar ao primeiro encontro de Estamira e Prado: De volta aos anos 2000 o
fotógrafo e cineasta Marcos Prado, que há seis anos vinha realizando um
trabalho fotográfico no Aterro, se depara pela primeira vez com Estamira
contemplando a paisagem de Gramacho, fascinado pediu a ela permissão para tirar
seu retrato, ela consentiu com a condição de que depois ele se sentasse com ela
para conversar.
Estamira disse a ele: “Você sabe qual a sua missão? Sua missão é revelar
a minha missão.” encantado com o discurso eloquente, filosófico e extremamente
lúcido daquela senhora tachada de louca, Marcos decide fazer um filme sobre a
vida dela.
Durante o decorrer documentário percebemos que Estamira de certa maneira
perdeu a fé e por isso abriu mão de “uma vida social bem vista”, notamos também
que em seus delírios ela dedica-se a analisar o ser humano e suas atitudes,
coisas que a maioria das pessoas em “sã consciência” tem medo de questionar.
Seu outro alvo de críticas e questionamentos é Deus. É extremamente
fascinante sua reação quando é questionada sobre Ele. “Que Deus é esse, que
Jesus é esse que só fala em guerra? Quem já teve medo de dizer a verdade largou
de morrer? Quem anda com Deus, noite e dia, largou de morrer? Quem fez o que
ele mandou, largou de morrer? Largou de passar fome? Largou de miséria?” Na sua
concepção, quem fez Deus foram os homens.
Percebemos que Estamira tem sua indignação marcada pelas experiências
vividas desde a infância difícil, adolescência marcada pelo abuso sexual e
prostituição, forçada pelo próprio avô, primeiro casamento mal sucedido por
traições e problemas com alcoolismo, um segundo casamento também destruído pela
traição e falta de consideração, respeito e ainda, os abusos sexuais que sofreu
na rua onde morava. São relatos de uma vida sofrida, marcada e frustrada, por
acreditar no ser que se diz humano e que acaba levando o próprio ser humano à
decadência e desgraça total. Acaba por ver o “ser humano como único
condicional”, talvez como único responsável por tudo que acontece, seja bom ou
ruim, e único capaz de mudar a direção com que as coisas acontecem.